Miserável mas eleito
Eu não sou católico.
Eu não sou cristão.
Eu não sou filiado, nem adepto,
de nenhum dogma ou instituição religiosa.
Fui criado e tenho vivido, em
países e sociedades de inspiração católica. Mas venho aqui falar como
observador e cidadão do mundo.
Francisco.
Um nome apenas e o mundo
estremeceu. Não foi somente a Igreja que estremeceu, mas todo o mundo,
nomeadamente o diplomático e politico.
Não, eleição papal não é um
assunto do Vaticano apenas. Desatentos e ignaros os que assim pensam. A Igreja
Católica é um pilar da civilização ocidental; actualmente a civilização global.
Não tem como ficar indiferente perante a renúncia dum papa, assim como a
eleição doutro. O Vaticano é um estado, uma nação, que embora pequeno em
tamanho, tem um papel significativo na estratégia politica e diplomática
internacional. A influência do Vaticano vai muito além da Praça de São Pedro em
Roma.
Assumo desde já que nunca
simpatizei com o anterior papa, o alemão. Pelo contrário, antipatizava com o
senhor e até evitava olhar imagens dele, pois me causavam temor. Daí que quando
ele renunciou, colhi a notícia com agrado.
Ficou-se então naquele hiato de
saber que rumo a Igreja iria tomar, depois dum dirigente tão pouco renovador.
O mundo se entusiasmou em
palpites. Eu remeti-me ao silêncio, como um predador de tocaia à beira do
charco. Depois de ver a Igreja se fechar cada vez mais numa dogmatização
retrógrada e contrária às expectativas e necessidades duma sociedade cada vez
mais ansiosa de abertura e liberdade (mais humana, enfim), só poderia mesmo
esperar para ver. Palpites nenhuns. Só esperanças, embora que muito débeis.
E depois daquele habitual
carnaval dos media, lá saiu o fumo branco da chaminé da Capela Sistina. Espanto
meu! Muito cedo, para uma eleição organizada às pressas.
Um
nome foi anunciado: Francisco. A primeira vez que um papa se quis associar a esse
indigente; única figura que merece a minha admiração e respeito em toda a
história da Igreja e da cristandade (tendo que o Cristo nunca se afirmou como
cristão).
Os
comentadores dos órgãos de informação logo se apressaram a dar os tópicos de
posicionamentos do novo papa, sobre vários itens da actualidade, enquanto bispo
argentino. Alguns não muito abonatórios, para a conquista da minha simpatia.
Mas o sorriso aberto, daquele homem de óculos, que subiu ao balcão acenando com
bonomia para a multidão, saudando todos com familiaridade e até improvisando um
gracejo sobre a sua nomeação, me merecia o benefício da dúvida.
E
assim me tenho mantido atento e tenho constatado com aprovação que este homem
parece disposto a fazer a diferença e apontar novos rumos à Igreja. Desde a
escolha da prata (metal ligado à sua terra de origem; Argentina) como material
para a confecção do seu anel papal, à obstinação em quebrar protocolos e normas
de procedimento, tais como a simples recusa de abandonar os seus sapatos
comuns, para usar os exclusivos sapatos vermelhos papais e muitos outros
procedimentos faustosos, com pouca leitura mística e quase somente
intimidatórios de poder e supremacia.
Antes
de esperar mudanças nas posições seculares da Igreja, terão de haver reformas
na própria instituição, tanto na sua estrutura rigidamente burocratizada e
hierarquizada, como na sua doutrina e dogmas. Mais que qualquer outra religião
da cristandade, a Igreja Católica tem o poder de apontar as modas morais para
um novo mundo, se souber se contemporizar e escutar os apelos das gentes acima
dos ditames do puritanismo febril e inumano.
Ajudemos
este papa Francisco a revolucionar a Igreja e fazer o dogma cristão mais
cristão e menos paulista.
Dedicatória:
dedico este texto ao meu jovem amigo Tony Rhafer Falcão e a todos os jovens católicos
que se empenham pela construção dum novo mundo, com mais respeito pela
dignidade do ser humano.
Nota:
a tradução do lema papal, desde o latim, é livre e de minha autoria.