quarta-feira, 26 de setembro de 2012

O AIO



Quero hoje contar um episódio da nobre fundação de Portugal. Uma nação arquitectada por homens e mulheres valorosos e dignos.

Aio (ou aia) era alguém nomeado para ficar encarregue da educação de crianças ilustres e nobres. Normalmente o aio, ou a aia, ficavam para sempre ao serviço do seu senhor, ou senhora, no que hoje poderíamos chamar de serviço de assessoria.

D. Afonso Henriques, ou D. Afonso I de Portugal, foi o fundador da Nação Portuguesa, ao resgatar a autonomia do Condado Portucalense da suserania de D. Afonso VII de Leão e Castela.

Egas Moniz era aio de D. Afonso Henriques.

Aquando das disputas entre os primos(*) beligerantes, Afonso de Leão (rei) cerca Guimarães, onde Afonso de Portucale (conde) havia sediado o seu exército separatista. Egas Moniz com o seu estatuto de preceptor do jovem conde e o respeito devido que a idade lhe conferia, arroga-se como negociador da paz e promete ao rei a submissão de D. Afonso Henriques.

Mas o conde, apoiado por uma larga elite Portucalense que apenas visa a autonomia do condado e sua completa independência, logo pega de novo em armas contra o rei, rompendo o acordo.

Egas Moniz apresenta-se então perante D. Afonso VII com toda a sua família, em vestes de condenados, pondo as suas vidas e honra ao dispor do rei. Este, reconhecendo a nobreza de carácter do aio e a lisura das suas intenções, perdoou-o e ainda lhe ofereceu favores. De volta à corte portucalense o aio também recebeu grandes favores de D. Afonso Henriques, pela sua fidelidade e honradez.

Mas isto era na barbárie dos tempos feudais, da chamada Idade Média. Agora os tempos são outros. Agora vivemos tempos mais civilizados e, tanto tecnologicamente como cientificamente, superiores. Tempos em que a honra foi mandada às ortigas.  Falar em honra nos salões e corredores do poder hoje é uma anedota.

(*)Nota: D. Afonso Henriques e D. Afonso VII eram primos directos. As mães de ambos eram meias-irmãs, filhas de Afonso VI de Leão e Castela.

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

CORES




Sobre o verde da relva aparada, um lençol branco se agitava, revolvia, tapava e destapava dois jovens, apaixonados. Um vestia uma camisa azul e outro uma camisa rosada.

- São dois rapazes. – afirmou Tau.
- Não são, não! É um rapaz e uma rapariga. – contestou Ant.
- Não são, não! São dois rapazes como ele disse! – apoiou Fer.
- Não pode ser! É um rapaz e uma rapariga! – insistiu Ant.
- Eu para mim, parecem-me dois rapazes – reafirmou tranquilamente Tau, sem querer parecer indelicado.

Mas, continuámos os três em direcção ao transporte que nos levaria ao destino seguinte, do nosso roteiro turístico.

O que causava tanto embaraço na definição do sexo dos namorados, nem era a dificuldade de lhes distinguir as feições devido à distancia a que estavam de nós, mas ao facto de tal cena se passar no meio de um amplo relvado (gramado, br) em plena Praça da República; um dos pontos nobres e turísticos por excelência, da cidade de Recife. Isto num pais, o Brasil, onde os crimes de homofobia são uma prática quotidiana, com estatísticas e números de ocorrências assustadores, senão mesmo apavorantes. Em 2011, segundo dados do governo central, foram registados 6800 casos de violações dos direitos de integridade física e 278 mortes por homofobia. Só nos primeiros 6 meses de 2012 foram assassinados 165 homossexuais (de ambos os sexos). Muitos dos casos de agressão e homicídio são perpetrados por membros da própria família da vítima.

Finda a agradável tarde de passeio pela cidade o nosso transporte voltou a circular pela mesma praça e lá estavam os dois jovens dobrando as cobertas onde haviam repousado e arrumando a trouxa de pic-nic. Então, em pé e se movimentando, deu bem para ver claramente que se tratava dum casal de rapazes. Os seus olhos continuavam se cruzando com carinhosa cumplicidade e seus lábios tocavam-se em leves beijos.

O espanto e a curiosidade foi geral, entre o nosso grande grupo de veraneantes. Entre nós os três, o acordo foi firmado com tranquilidade e até alguma satisfação, pela digna e tranquila coragem com que os jovens em causa assumiam o seu amor.


Nota: Pernambuco é um dos estados brasileiros onde a união estável entre pessoas do mesmo sexo é reconhecida e registada oficialmente. Assim também Recife é um município que promove campanhas anti-homofobia, tentando se mostrar como uma cidade gay-friendly. Contudo uma  coisa é a lei e a vontade política da nação, outra é a mentalidade popular e a livre propaganda criminosa de facções religiosas odientas e fanáticas.