sábado, 27 de dezembro de 2008

JUíZES DE SOFÁ

Refastelamo-nos comodamente no sofá, pegamos no tele-comando, ligamos o televisor e, como que por magia, tornamo-nos em julgadores de todas as causas. Verdadeiras divindades omniscientes. 

Em micro-segundos analisamos qualquer notícia, que no pequeno écran se apresente e logo decretamos a mais instantânea sentença. 
Tão simples assim, ser juiz em causa alheia.

Árabes e judeus, paquistaneses e indianos, a pirataria marítima, o descalabro civilizacional do Zimbabué, o ressurgimento do poderio estratégico-militar da Rússia, os atentados terroristas aleatoriamente ocorrentes em qualquer parte do globo e tantas outras situações, mais ou menos dramáticas, mais ou menos fúteis, sobre as quais nos achamos no direito de assumir o papel de doutos pensadores proferindo as mais sábias opiniões.

Somos todos senhores da verdade e os mais acérrimos defensores dos direitos humanos. 

Decretamos sem hesitar a mais despótica sentença sobre qualquer prevaricador, de quem nos tenha sido dado notícia, sem nos questionarmos sobre os modos como essa informação chegou até nós, ou a autenticidade dos pormenores relatados.

No conforto das nossas salas climatizadas, nos apressamos a nomear e vilipendiar os algozes da fome e de todos os infortúnios dos povos oprimidos na miséria. Depressa temos uma opinião acusatória sobre os governantes de países que fogem ao modelo tido como democrático das nossas nações de abastança. Apontamos um dedo acusador e vexatório aos USA por não assinarem nem respeitarem as directrizes ambientais do tratado de Kyoto, mas não prescindimos dos nossos luxos igualmente poluentes, nem nos preocupamos sequer em dividir os nossos lixos domésticos para posterior reciclagem. Achamos infame os japoneses matarem baleias por ser um alimento tradicional da sua cultura, mas não questionamos os nossos produtores de carne sobre o modo como tratam os animais destinados à nossa alimentação. Insurgimo-nos contra a modernização do Tibete por parte da China, mas não nos mobilizamos individualmente para proporcionar a restituição da dignidade de tratamento aos nossos velhos esquecidos em asilos e lares de acolhimento, ou mesmo em aldeias fantasmas perdidas nas serras do interior.

Do alto púlpito do nosso sofá temos a mais justa das opiniões sobre todos os males do mundo. Mas não basta ter opinião para mudar o mundo!
É preciso mãos e empenho para que as coisas mudem!

Mas isso é pedir demais... Melhor mesmo ter opinião e vir aqui ao virtual Speakers' Corner despejar sermão.

quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

VIDA

Muitos vêem a vida como uma busca da felicidade. Uma felicidade baseada em ilusões e aspirações dirigidas à posse e ostentação de bens materiais e daquilo que chamam de desafogo. Uma vida de enganos e frustrações.

Não me vejo melhor nem pior que os demais. Apenas aprendi a viver à minha maneira, do meu modo, do jeito que o percurso peculiar da minha existência me foi ensinando. E assim fui aprendendo a valorizar o que tenho e respeitar tudo o que me rodeia.

Não sou pregador, nem arauto de dogmas alheios. Apenas posso falar por mim e de mim.

A vida é uma aventura, em que diariamente me lanço como se fosse o primeiro dia duma longa jornada por percorrer. 
Não me interessa o desfecho. Apenas estou aqui pelo presente.

Mas há coisas que evito; tal como o juízo e a culpa, tanto meus como alheios. Não são bons companheiros de jornada, nem trazem consigo paz e tranquilidade. Erros?! Sim, todos os cometemos. Mas no fim de cada jornada diária avalio os procedimentos e pondero sobre o modo como poderei me melhorar, tornando-me uma melhor pessoa; de modo a ter uma existência mais harmoniosa comigo e com os outros.

Alguns me chamam de irresponsável, perante a ousadia em que avanço para terrenos desconhecidos, largando tudo e lançando-me no vazio. Por vezes tenho aterrado, mais ou menos suavemente, outras tenho me estatelado dolorosamente. Mas é dessas quedas doridas que mais proveito (de alma) e ensinamento tenho tirado.

Por isso muitos não me entendem e deixo-os completamente desconcertados, por me verem com mais de meio-século de existência, vivendo ainda como se tivesse quinze anos; acreditando no sonho e me entregando com puerilidade nas vagas imponderáveis da Fortuna.

Espero assim continuar. Atentarei para assim continuar. É nesse viver intrépido e sem rumo, aceitando o que eu alcanço e os outros me proporcionam, que eu entendo que está a felicidade.

sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

TINO

O Tino deitou-se cedo, como habitualmente e adormeceu.

Na manhã seguinte o Sol já não o viu despertar. Partiu tão tranquilamente como nos recebia em sua casa, com fraterna disponibilidade.

Não importa se eu o conhecia à muito ou pouco tempo. Não importa quantas vezes com ele convivi. A amizade mede-se noutros tempos e por outras empatias. Especialmente quando essa amizade é oferecida de Coração Aberto, como o Tino o fazia.

Para sempre ficarei em dívida para como ele, pelo modo carinhoso e de incondicional disponibilidade, com que acolheu no seu Lar alguém que me é muito querido. 
Mas não é por isso que o elegi como Amigo, pois Almas assim não se definem por adjectivos. Almas que palmilharam a vida de olhos abertos e aprendendo o Sentido das Coisas e o Valor de Tudo.

Havia no Tino a Verdade dum Calor no estreitar de mãos, dum Brilho de Acolhimento no seu olhar risonho e puerilmente eloquente. 
Não esquecerei nunca a Alegria estampada no seu olhar quando, de avental na cozinha, preparava diligentemente uma cabidela de lampreia. Soubera que eu nunca tal houvera comido, pelo que logo se dispôs a proporcionar-me a degustação de tão requintada iguaria.
Era um homem de poucas palavras e gestos discretos, mas ambos profundos e plenos de sentido.

Ele deitou-se e adormeceu tranquilamente, como merecia. Não acordou mais. E o mundo ficou mais vazio. Mas as nossas memórias ficaram ricas com o testemunho dum Homem simples e discreto, que sabia fazer da vida um grande acontecimento.

O Tino partiu! Resta-nos o aconchego das memórias agradáveis e as lágrimas da saudade.

sábado, 13 de dezembro de 2008

MORTE NA CASA PIA

"Mas que se passa? Então isto não é uma ameaça?!"

Os mais velhos decerto lembrarão este estribilho duma canção do pós-25 de Abril. Os mais novos e que não viveram esses anos auspiciosamente conturbados da História recente de Portugal, poderão não conhecer a canção do Fernando Tordo, mas por certo que o estribilho lhes fará sentido.

Esta semana foi assassinado um jovem de 18 anos em plena cantina da Casa Pia, no decorrer duma batalha campal durante o almoço. Ao que consta uma horda de jovens arruaceiros de bairros periféricos invadiram as instalações do colégio, nomeadamente a cantina onde se servia o almoço, para um ajuste de contas entre bandos rivais.

Isto tira-me do sério e vou directo aonde mais magoa, sem rodeios.

Afinal onde está a merda de Socialismo deste dito Partido Socialista que monopoliza o poder neste país?

Um governo que é todo mãos largas para salvar os ricos dos seus azares gananciosamente especulativos, desbaratando milhões do erário público a salvar as fortunas dos ricos ao resgatar bancos vocacionados em ganhar dinheiro com especulação de dinheiro, sem que dessas actividades resulte algum proveito para o bem-estar da população em geral.

Um governo que quando se trata de disponibilizar verbas para uma melhoria das condições de vida dos mais carenciados, nunca tem dinheiro e distribui esmolas que mal dão para substituir uma telha numa escola a cair.

Um governo que é cego à escandalosa degradação a que chegou a situação da Casa Pia.
Já não bastava a lenta agonia do infame processo de pedofilia envolvendo a vetusta Instituição, como agora ainda temos que assistir à ignomínia duma batalha campal em pleno refeitório com vários feridos e uma vítima mortal.

Sempre ouvi dizer que "depois de casa arrombada, trancas à porta", mas ao que consta este governo (responsável máximo pela Instituição em questão, uma vez ser instituição pública de responsabilidade estatal) não quer aprender mesmo e segue na sua arrogante atitude de apenas olhar para as cifras dos relatórios financeiros e dos interesses dos seus acólitos e promotores.

Portugal já vai além da República das Bananas, agora já é em definitivo o Couto dos Cartéis.