segunda-feira, 11 de novembro de 2013

16A



Dezasseis anos. Calmo, estudioso, afável. Filho duma família harmoniosa de classe média alta. Aluno regular e com notas boas. A mãe, zeladora, queria mais. Esperava que o sucesso escolar do filho fosse uma porta aberta para uma carreira brilhante. Exigia.

O jovem exasperou-se. Reacção comum aos adolescentes. Discutiram. Ele pegou numa faca sobre o balcão da cozinha e agrediu a progenitora amada. Ela fugiu para o quintal. Ele foi atrás e arrastou-a para dentro, acabando de esfaqueá-la com ferimentos fatais.

A polícia foi chamada, pelos vizinhos alertados pela inabitual gritaria. Encontraram a mulher jazente e o filho, por ela denunciado no seu último estertor, de banho tomado, escutando música tranquilamente no seu quarto.

Esta história é verídica. Não interessa quem eram, nem onde ocorreu. Não vem ao caso sobre o que quero falar. Os dados que forneci são suficientes. 

Somos humanos. Somos impelidos por instintos e sentimentos. Ser educado, ser civilizado, ter sentido cívico é saber controlar ambos: instintos e sentimentos. É isso que se espera para podermos viver em sociedade.

Antes de exigir metas a família tem de ensinar limites às crianças. NÃO é uma palavra muito frequentemente esquecida no diálogo entre pais e filhos, mas deveras fundamental. Um NÃO e um SIM na altura certa são o modo mais correcto das crianças entenderem as regras do jogo que é viver em sociedade.

Durante a adolescência os jovens vivem um turbilhão. São hormonas de crescimento acelerado, pressão para que encontre o seu lugar e estatuto na sociedade, ansiedade emocional para entender toda uma avalanche de novos sentimentos que em si despertam, avassaladoramente desafiadores. Não sabem lidar com isso tudo e o prazo é para ontem. A agressividade e crueldade primárias, comuns na infância, por vezes ainda não foram controladas, domesticadas. É o momento de adquirir as ferramentas que lhe confiram o direito de ser considerado um ser humano sociável, com os deveres e direitos que tal implica.

De modo nenhum podem ser desresponsabilizados pelos seus actos. Mesmo sem haverem adquirido completamente o necessário saber de como controlar os seus impulsos, eles têm noção da gravidade de possíveis comportamentos nocivos. Não são inocentes destituídos de consciência. Devem responder pelos seus comportamentos, com rigor e justiça. Devem assumir as penalizações que lhes possam decorrer dos seus actos nocivos, assim como seriam premiados pelos seus sucessos louváveis.

Imagem: "Hoodie Stab" de Banksy

domingo, 20 de outubro de 2013

O PROBLEMA



Não! Não é o dinheiro! O problema, o mal, é a ganância desmesurada, por trás dos grandes interesses empresariais. O problema é as pessoas não entenderem que o dinheiro é um veículo de interacção e relacionamento humano.

Quando os governantes se deixam manipular pelo empresariado, numa perspectiva eleitoralista, convertendo a política e governação, num mero jogo de interesses corporativos, então o povo está votado à miséria duma existência ignóbil e a memória da nação é descartada como lixo.

Em pleno século XXI, depois do advento das ciências e de todo o saber e conhecimento que elas aportam, ainda continuamos a ser governados por ideologias abstractas, que se digladiam sem o mínimo respeito por aqueles que dizem representar e defender.

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

O MENINO E O PAPAGAIO


Olhando a foto...

O menino sobre a ponte segura o fio que prende o papagaio esvoaçando no ar.

A ponte eleva-se acima dum córrego imundo e contaminado, ao lado do qual se estende uma terraplanagem, que deixa adivinhar mais uma via rodoviária de circulação rápida, para escoar a ansiedade dos moradores nervosos das comunidades que se amontoam nas margens.

Dum lado e doutro do veio central, composto pelo menino e a terra barrenta, apinham-se os barracos favelados, das gentes que sustentam o mundo sobranceiro dos que vivem nos edifícios altos; arrogantes na sua ostentação de supremacia de minoria endinheirada.

Ao fundo uma torre esguia ergue-se agoirenta. Apontando as negras nuvens, lembra as sinistras chaminés fabris que glorificam a revolução industrial.

O menino, com os seus trajes coloridos e o relógio de plástico no pulso, pertence a esse submundo dos que são combustível para alimentar a paisagem capitalista. Ele vive por aí, algures, num desses barracos, na favela, na indigência disfarçada dos novos-escravos.

Foto: © Florêncio Mesquita, Manaus, AM

terça-feira, 30 de julho de 2013

IGUANA



Era noite. Eu apressava o passo. Tinha um compromisso agendado e estava quase na hora. Não gosto de me atrasar. Mas dependendo de terceiros, transportes públicos e outros imprevistos...

Não, não me perguntem qual o compromisso. Já não recordo ao certo. Vaga ideia de ser um encontro com alguém para tratar da possibilidade duma exposição de trabalhos meus. Mas vago, tudo muito vago, que acabou por nem dar em nada.

Cheguei. Na hora! Entrei no shopping e dirigi-me à loja de animais, onde havíamos marcado o encontro. Lembro agora que era com a proprietária. Ela não estava: “Ainda não chegou!” disseram-me “Espere um pouco.”

Para passar o tempo pus-me a olhar os aquários, gaiolas e demais mostradores dos animais para venda. Numa gaiola de vidro um grupo de pequenas iguanas verdes esperava o seu destino. Detive-me. Adoro apreciar estas atraentes criaturas. Cativa-me a sua semelhança a dragões.

Pequenos dragões sem asas.

O grupo apresentava-se indiferente, como é hábito. Apenas um indivíduo olhava-me fixamente. Era lindo! Dum verde intenso e luminoso. Mas eu não ia ficar ali especado, pelo que avancei em direcção a outra gaiola.

O olhar do pequeno réptil seguiu-me atentamente. Surpreso com o facto, eu voltei e comecei a deslocar-me, ora para um lado ora para outro. O olhar da pequena iguana seguia-me. Afastei-me para fora do seu raio de visão e ela (ou ele) moveu-se, para continuar a observar-me. Sorri apaixonado! Mas não podia levar a criaturinha comigo; o meu estilo de vida não me permitiria dedicar-lhe a atenção e cuidados necessários.



domingo, 14 de julho de 2013

FAMA E FORTUNA


Mais um que se foi. Mais um drogadito famoso. Este até era o meu actor favorito duma série que não assisti. O rapaz era bonito e representava bem o papel de totó. Dãããh...

31 anos. Encontrado morto num quarto de hotel. Cory Monteith.

Fama e riqueza trazem felicidade? A riqueza ainda pode ajudar, mas a fama... melhor ficar quieto e anónimo. Mais ainda quando não se tem uma personalidade forte, nem auto-estima firme. Normalmente estes casos acabam sempre pelas vielas das dependências tóxicas e por calvários de degradação e decadência.

Vã glória é a vida.

sábado, 13 de julho de 2013

DEMOCRACIA (RE)PARTIDA


Os partidos políticos são grandes inimigos da democracia. Eles servem de embuste para forças mais daninhas que se dissimulam no anonimato.


segunda-feira, 8 de julho de 2013

HEIL OBAMA!

Esse senhor da imagem, o maior cínico da política actual, o Hipócrita (de seu cognome), já todos conhecem. Como podemos ver pela imagem, ele se presta a muitas facetas, todas elas imperialistas.

Ele se tornou a grande fraude, quando todos pensaram que por ser negro iria mudar a política dos EUA. Nada disso! Ninguém pode mudar a estratégia hegemónica desse monstro, comandado por interesses capitalistas muito acima das estruturas políticas nacionais.

Esse pilantra devassa a privacidade de todo mundo. Reitero: TODO O MUNDO literalmente (mesmo de comuns mortais como tu e eu). E persegue ferozmente quem denuncia as suas actividades ilícitas e vergonhosas. Actividades que vão contra acordos internacionais de boa convivência, até contra os seus aliados.

Esse desavergonhado manda sequestrar o avião do presidente da república dum país soberano (Bolívia) e os seus lacaios europeus obedecem, com uma submissão nojenta.

Onde está a soberania nacional desses países? Acho que colónias seria o termo mais indicado. Afinal a grandiosa União Europeia não passa dum vassalo sem honra, nem dignidade, da súcia ianque.

Essa criminosa organização gigantesca, que dá pela sigla de EUA (ou USA) cresce em poderio global e todo mundo se acobarda. Será que a propalada globalização não passará dum império mundial, uni nacional, por cobardia abjecta das nações europeias, em nome da preservação duma paz podre e conseguida a troco da escravidão económica?

quarta-feira, 19 de junho de 2013

LD



“L. D.” é de Lawrence Durrel. Não tem mistério nenhum.

Bons os tempos em que eu espatifava o meu salário todo em leituras e músicas. Enchia as prateleiras de casa com livros e LPs, que depois passaram a ser CDs.

Leitor lento que sou, não conseguia devorar tudo que comprava numa vertigem acumuladora. “É para ler quando me aposentar” respondia quando me interrogavam se lia tudo aquilo.

Na verdade era uma acumulo disparatado. Sempre tive um impulso doentio para guardar papeis. Sem mais espaço nos móveis, por fim empilhava os livros no chão mesmo, subindo pelos cantos.

Cheguei a separar o acumulado por temas e estilos, distribuindo depois por amigos e familiares que sabia apreciarem este ou aquele género. Só assim conseguiria espaço para continuar a estouvada aquisição bibliotecária.

E de que serviu tal febre? De nada! Absolutamente nada! A não ser para me esvair a carteira e viver continuamente sem chavo. Nunca consegui fazer economias por causa desse vício estúpido.

“Salve-se Quem Puder” veio num grupo eclético, como muitos outros títulos. Eram contos - meu modelo favorito, pois esses eu tinha mais garantias de conseguir chegar ao fim. Em geral eu abandono a leitura a meio da obra, sem me preocupar muito com o desenlace da mesma. O que me fascina é a palavra e o uso que o escritor faz dela. As histórias eu mesmo as posso inventar a meu jeito e bel prazer.

Tenho uma memória mais emocional que factual. Lembro com facilidade as emoções relacionadas com os eventos. Já o mesmo não posso dizer dos pormenores dos factos. Assim não me lembro bem dos conteúdos e tema dos contos desse volume. Tão pouco lembro se li todos. Apenas recordo que aquilo que li se desenrolava algures no norte de África. Mas não esqueço as gargalhadas, as deliciosas gargalhadas. Ah, como eu ri com puro gosto! A hilaridade era de tal ordem que eu tinha de parar a leitura para me recompor do riso e aprimorar os olhos (limpando-os das lágrimas), de modo a retornar ao mergulho nas letras e na narrativa.

domingo, 9 de junho de 2013

SOU EU



“Uma imagem vale mil palavras.”

A imagem da vida por estas coordenadas. Até uma simples campainha de porta tem de estar protegida por uma grade, trancada a cadeado. C’est la vie à Brasil!

O que será mais precioso? Será que ainda resta algum reconhecimento de valores? Muitas questões e poucas respostas.

É isso! Este meu texto também se poderia chamar: Respostas. Tal como nas situações mais banais, as grandes questões da vida recebem o mesmo tipo de respostas: inapropriadas e inconclusivas.

- Quem é?
- Sou eu!
É a resposta mais comum quando alguém toca à campainha da porta e lá dentro de casa, alguém tenta certificar-se sobre a identidade da pessoa que pretende adentrar. Mas claro que é um “eu”. Todos somos um “EU”, cada um de nós. Só que o que se pretende saber é o nome – A IDENTIDADE – desse “eu”. Será assim tão difícil de entender?

Não faz muita diferença das respostas demagógicas que os políticos dão para tentar empurrar, com a barriga, as péssimas condições de existência dos cidadãos. Só que a mesma dormência letárgica que o povo apresenta perante esse discurso falacioso, é a mesma que leva alguém a responder “sou eu” quando o que o outro pretende saber é em que se define esse eu.

“Ah! Não tem nada a ver!” me dirão. Porque não é a mesma coisa.

Eu lhes mostro como é a mesma coisa: enfiem dois dedos num certo orifício anatómico ao fundo das costas e depois, de os deixarem lá algum tempo, retirem-nos e cheirem um de cada vez. Cheiram o mesmo né? Ora aí está como é o mesmo!

O mesmo é a indiferença. O mesmo é a apatia. O mesmo é seguir na mesma rotina maquinal e acéfala, sem se dar conta que o dito “eu” vai perdendo sentido e passando a ser uma circunstância amorfa caminhando por uma existência sem propósito. Sim, talvez seja por isso que esse “eu” não tenha necessidade de ter um nome, pois em nada se diferenciará dos milhões de “eus” que se resignam a um estar-sem-ser, num mundo idealizado para apenas alguns “serem”.

Então porque prover e  garantir segurança a não-eus? Deverá ser essa a macabra filosofia com que se justificarão os governos e os criminosos, para a ausência de valores e de ética.

- Quem é?
- Sou eu!
- Aqui também sou eu! Eu quero saber é o nome desse EU aí!!! Será muito difícil dizeres a porra do teu nome??? Ou preferes mesmo ficar aí, secando à porta?

segunda-feira, 3 de junho de 2013

HOMENS PARA A ESQUERDA, MULHERES PARA A DIREITA



Entrámos no grande salão e fomos instruídos a dividirmo-nos em dois grupos: homens e mulheres. Uns se sentariam nos bancos corridos de um lado e as outras do outro lado oposto. Frente a frente.

As expressões de estranheza e incompreensão logo se estamparam nos rostos incrédulos. Como crianças perdidas num bosque sombrio. A confusão se instalou naquelas mentes condicionadas por uma rotina entorpecente.

O povo não está habituado a sair dos seus padrões seculares, assim perdendo a capacidade de pensar, decidir e se adaptar.

Os dogmas entorpecem as mentes e levam-nas a uma estagnação embrutecedora. Servem para imobilizar o povo e dominá-lo, através da eliminação da capacidade individual de discernimento.

Para as mentes arregimentadas pelo carneirismo do rebanho é duma estranheza imensa uma simples proposta que fuja aos cânones useiros e vezeiros da sua rotina atrofiada e castradora do livre arbítrio. Um simples "vamos fazer diferente" é motivo para grandes suspeitas e receios. Nervosamente todo o grupo olha em volta procurando um sinal que as traga de volta ao redil.

sexta-feira, 26 de abril de 2013

UNION



De várias partes se forma um todo.

Chama-se “Union” (União) e muito justamente, pois é uma reunião debaixo da liderança dum produtor que eleva a sua vontade acima de tudo e todos, manipulando o resultado final dum trabalho que parece colectivo, mas não o é.

Porquê tantos músicos de estúdio (20), quando estiveram presentes nas gravações  TODOS os membros históricos da longa história dos Yes? A resposta é simples; por que “Union” não é um disco dos Yes, mas um disco de Jonathan Elias, que o produziu.

Com a editora querendo apenas um disco duma banda, cujos músicos se encontravam em duas formações distintas da mesma - com os vários componentes gravando por aqui e por ali e ainda com projectos e compromissos de carreiras a solo - a tarefa não era fácil e prestava-se à livre iniciativa dum produtor ambicioso esperando a oportunidade para fazer grande.

Assim foi tomando forma o projecto “Union”. O álbum que começou por ser gravado por Anderson, Bruford, Wakeman and Howe no sul de França, acabou completamente reformulado a partir de demos e uma lista enorme de músicos de recurso, em vários estúdios de gravação de Nova Iorque e Los Angeles.

O resultado foi tão escandaloso que o próprio Rick Wakeman ao ouvir o disco, depois de publicado, questionou: “Onde estão as partes que eu toquei e gravei?” Enfim, algumas delas simplesmente tinham sido preteridas em favor de fugazes aparições de teclistas de estúdio, anulando assim o efeito filigrana que Wakeman e Howe produziam em simultâneo e que tanto caracteriza as suas participações na banda. O que Elias queria era um som mais duro e pesado, ao gosto do público americano. O requinte melódico dos britânicos não servia os seus intentos comerciais.

Acontece o mesmo com as execuções de Howe, num tema de sua co-autoria, em que o seu virtuosismo nas guitarras foi ignorado e substituído pela execução de vários guitarristas de estúdio com um som bem mais pesado e menos melodioso.

“Union” é um álbum quase monumental e com excelentes momentos musicais, principalmente devido à grande qualidade dos autores/compositores mas, por vezes, tem pouco a ver com a sonoridade dos Yes. Um álbum musical a dois tempos, como se fosse a união (e na verdade era) de dois discos distintos. Um produto híbrido.

Depois de muito procurar e ler, consegui perceber porque, ao ouvir este disco, me sinto como atirado contra uma parede, ao invés da sensação de jogado ao alto para planar nas alturas, tal como quando oiço outros trabalhos da banda. Este é um muro de som áspero e agressivo.


Com um grupo de músicos destes, quem necessita de músicos de estúdio?

domingo, 7 de abril de 2013

DIA DORMENTE (RAPAZES E CAVALOS)



Ele sentou-se no selim e deu arranque no motor. Engatou a primeira e a moto disparou rua afora.
Vestia uma roupa vermelha e azul, as cores da empresa de distribuição de bilhas de gás doméstico. A sua tez era negra. Bem negra. Jovem, ainda não completara vinte anos. Semblante cerrado, mas sereno.

Deixou atrás de si um enlevo de juventude e sensualidade, como se o dia se justificasse pelos pequenos momentos de fugaz beleza que nos é dado vislumbrar. Nos interstícios das pregas da rotina. E com o perder de vista entre muros e paredes, ficou o vazio, o silêncio da modorra estéril da existência num bairro de periferia.

O dia estava mole. Dormente. Alongando-se na habitual pasmaceira contagiante. Tudo mergulhava numa quietude que não era, pois o rumor abafado da cidade se afirmava omnipresente. Pesado. Contínuo.

...

Da quietude irrompeu o tropel de cascos galopando na rua de terra batida. A garotada adorava atiçar os cavalos e vir à desfilada pela rua fora, aproveitando a pacatez do bairro. Passavam em revoada, entre risos e gritos. Muitos gritos.

O olhar fogoso e desvairado das pilecas aterrorizadas, denunciava como eram muito mal tratadas. Ficava evidente no aspecto muito descurado; magros, feridos, pêlo baço e sujo. Dava dó ver, como depois de tão maltratados, os animais continuavam obedecendo submissamente aos caprichos da moçada em desatino.

Desde bem pequenos os moleques se acostumavam a deambular trazendo na mão um raminho verde desfolhado, fino e flexível, como se duma chibata se tratasse, para castigarem os animais. Vergastavam o ar, fazendo sibilar o ar com evidente gáudio extasiado, de quem acha que se faz homem. Para essa gente rude, homem é sinonimo de brutalidade. Homem é ser macho e macho é ser bruto.

Mas para a molecada tudo era uma animação desbragada, quase histérica. A algazarra ia e vinha. Rua abaixo, rua acima.

...

Depois os rapazes foram embora. Foram com as suas famílias. Mudaram de bairro. E com eles foram os cavalos, a gritaria e as galopadas. Agora restam os rapazes das motos e bicicletas entregando bilhas de gás e garrafões de água. E o Júnior...

sábado, 30 de março de 2013

MISERANDO ATQUE ELIGENDO


Miserável mas eleito

Eu não sou católico.
Eu não sou cristão.
Eu não sou filiado, nem adepto, de nenhum dogma ou instituição religiosa.
Fui criado e tenho vivido, em países e sociedades de inspiração católica. Mas venho aqui falar como observador e cidadão do mundo.

Francisco.
Um nome apenas e o mundo estremeceu. Não foi somente a Igreja que estremeceu, mas todo o mundo, nomeadamente o diplomático e politico.

Não, eleição papal não é um assunto do Vaticano apenas. Desatentos e ignaros os que assim pensam. A Igreja Católica é um pilar da civilização ocidental; actualmente a civilização global. Não tem como ficar indiferente perante a renúncia dum papa, assim como a eleição doutro. O Vaticano é um estado, uma nação, que embora pequeno em tamanho, tem um papel significativo na estratégia politica e diplomática internacional. A influência do Vaticano vai muito além da Praça de São Pedro em Roma.

Assumo desde já que nunca simpatizei com o anterior papa, o alemão. Pelo contrário, antipatizava com o senhor e até evitava olhar imagens dele, pois me causavam temor. Daí que quando ele renunciou, colhi a notícia com agrado.

Ficou-se então naquele hiato de saber que rumo a Igreja iria tomar, depois dum dirigente tão pouco renovador.

O mundo se entusiasmou em palpites. Eu remeti-me ao silêncio, como um predador de tocaia à beira do charco. Depois de ver a Igreja se fechar cada vez mais numa dogmatização retrógrada e contrária às expectativas e necessidades duma sociedade cada vez mais ansiosa de abertura e liberdade (mais humana, enfim), só poderia mesmo esperar para ver. Palpites nenhuns. Só esperanças, embora que muito débeis.

E depois daquele habitual carnaval dos media, lá saiu o fumo branco da chaminé da Capela Sistina. Espanto meu! Muito cedo, para uma eleição organizada às pressas.

Um nome foi anunciado: Francisco. A primeira vez que um papa se quis associar a esse indigente; única figura que merece a minha admiração e respeito em toda a história da Igreja e da cristandade (tendo que o Cristo nunca se afirmou como cristão).

Os comentadores dos órgãos de informação logo se apressaram a dar os tópicos de posicionamentos do novo papa, sobre vários itens da actualidade, enquanto bispo argentino. Alguns não muito abonatórios, para a conquista da minha simpatia. Mas o sorriso aberto, daquele homem de óculos, que subiu ao balcão acenando com bonomia para a multidão, saudando todos com familiaridade e até improvisando um gracejo sobre a sua nomeação, me merecia o benefício da dúvida.

E assim me tenho mantido atento e tenho constatado com aprovação que este homem parece disposto a fazer a diferença e apontar novos rumos à Igreja. Desde a escolha da prata (metal ligado à sua terra de origem; Argentina) como material para a confecção do seu anel papal, à obstinação em quebrar protocolos e normas de procedimento, tais como a simples recusa de abandonar os seus sapatos comuns, para usar os exclusivos sapatos vermelhos papais e muitos outros procedimentos faustosos, com pouca leitura mística e quase somente intimidatórios de poder e supremacia.

Antes de esperar mudanças nas posições seculares da Igreja, terão de haver reformas na própria instituição, tanto na sua estrutura rigidamente burocratizada e hierarquizada, como na sua doutrina e dogmas. Mais que qualquer outra religião da cristandade, a Igreja Católica tem o poder de apontar as modas morais para um novo mundo, se souber se contemporizar e escutar os apelos das gentes acima dos ditames do puritanismo febril e inumano.

Ajudemos este papa Francisco a revolucionar a Igreja e fazer o dogma cristão mais cristão e menos paulista.

Dedicatória: dedico este texto ao meu jovem amigo Tony Rhafer Falcão e a todos os jovens católicos que se empenham pela construção dum novo mundo, com mais respeito pela dignidade do ser humano.

Nota: a tradução do lema papal, desde o latim, é livre e de minha autoria.


sábado, 16 de fevereiro de 2013

O TOQUE



Perdemos o toque. Perdemos a capacidade de comunicar pelo toque.

Civilidade é domesticação, dominação, subjugação.

Como humanos somos seres por essência comunicativos. Somos criaturas gregárias. A falta de comunicação debilita o ser humano na sua identidade e expressão.

Comunicamos pelos sentidos. Com todos eles. E através de todos eles. Se algum for excluído ficamos incompletos.

Puritanismos patéticos. Moralismos anti-natura. Preceitos castradores da natureza bio-emocional humana. Preconceitos aberrantes. Deformação de padrões e valores. Tudo foi utilizado para sufocar o nosso apelo instintivo ao contacto directo; pele na pele.

Religiões ínvias amputaram o toque através duma argumentação de pecado e condenação por luxúria. O medo do apelo das emoções primordiais.

Atrofiados tentamos o equilíbrio dum ser que nunca poderá ser.

A lascívia faz parte dos nossos impulsos mais profundos. O apelo ao prazer, pela necessidade dele para nos reequilibrarmos emocionalmente e nos mantermos saudáveis. Activos. Felizes.

O anseio pelas multidões. O roçar dos corpos agitados. A libertação do ser indiscreto que habita em nós. O partilhar de sensações. O libertar de emoções. O explodir da electroquímica do cérebro. O êxtase de vogar no mar proibido de hormonas inspiradoras de liberdade e satisfação. Prazer, prazer, prazer.

Comunicamos através de todos os sentidos, se algum for excluído ficamos incompletos.


Nota: Banda sonora sugerida, "I Have The Touch" de Peter Gabriel.

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

MOBILIDADE URBANA II



As cidades são tudo menos um ambiente humanamente saudável.

Viver segundo interesses economicistas não é saudável. Numa sociedade competitiva é fundamental chegar primeiro, seja onde e ao que for. Isso traz urgência para todos criando um modo febril de estar. Todos se esganam para ficar adiante dos demais. Assim a mobilidade urbana se torna caótica, pois cada um pensa apenas na sua vantagem. E isso multiplicado por milhares, quando não mesmo por milhões, torna-se um problema grave.

Descentralização, desmonopolização são dois vocábulos fundamentais na oferta de qualidade de vida.

O problema da mobilidade passa, entre muitos outros vectores, pelo modo de vida pendular desta sociedade produtora/consumista. Tudo seria mais facilitado com a liberalização e dispersão de horários, tanto de serviços como de comércio. A visão imperialista da estruturação vertical da sociedade e do seu modo de vida leva a uma centralização em função dos benefícios financeiros e não do bem-estar humano.

Com horários alargados do funcionamento empresarial e menores turnos laborais, recorrendo para isso a um aumento de número de funcionários – sem que isso representasse perda de salários para os mesmos – seria possível distribuir os utentes de transportes urbanos sem o doentio vai-vem pendular superlotado dos horários de ponta. Além de assim rentabilizar as próprias carreiras de transportes, algumas das quais só compensam financeiramente a sua existência nesse sufoco de afluências periódicas diárias, mas com grandes incómodos dos utentes que recebem um tratamento de mercadoria; transportados em condições indignas e de risco físico.