quinta-feira, 28 de junho de 2012

MANHÃ DE JULHO



Em 1971, os britânicos Uriah Heep publicaram o seu LP “Look At Yourself”. Nele constava uma canção intitulada “July Morning”.

“E lá estava eu numa manhã de Julho procurando amor.
Com a força dum novo dia amanhecendo e um lindo sol.”

Nas décadas de 1970/80 búlgaros inconformados com a opressão comunista, começaram a rumar anualmente, nos finais de Junho, para as costas do Mar Negro. Inspirados pela canção dos britânicos, assistiam ao nascimento do Sol, no primeiro dia de Julho, sobre as águas a leste.

Tal como a canção, procuravam assim fortalecer-se na esperança dum novo dia, dum novo futuro.

“Com o dia
Veio uma resolução
Eu te buscarei.”


A tradição do "July Morning" perdura. E as multidões continuam ir buscando uma inspiração de renovação a cada primeiro raio de sol primeira manhã de Julho.



Um bom Julho para todos!



Nota: O vídeo tem as legendas em búlgaro.

quarta-feira, 27 de junho de 2012

ENTREVISTA


Apanhado na esquina da blogsville pelo amigo Raphael, ele me intimou com um inquérito a que eu não pude resistir. 
Quem quiser me conhecer um pouco mais, além do que aqui me exponho, pode conferir os meus pareceres no Forever Young.
E se quiserem podem acrescentar alguma questão, nos comentários do Forever Young, que eu responderei lá mesmo.


terça-feira, 19 de junho de 2012

PÉS NO CAMINHO



Havia hesitado na escolha do caminho, mas acabei por regressar  pelo percurso habitual. Sempre tinha mais sombra para me proteger. A refeição fora agradável. No Sabores do Nordeste a comida é boa e o pessoal simpático. O bacalhau com puré estava óptimo, o bobó de camarão uma delícia e a costela grelhada um primor. Um pudim de ovos, com direito a uma ameixa de calda no topo, foi o remate perfeito.

E lá ia eu resguardado, sob a minha sombrinha, do sol estupidamente avassalador do início da tarde. Ia rente aos muros altos, que protegiam as casas e bens dos que assim se mantinham distantes da rua e do convívio urbano. Falsa ilusão de segurança em prejuízo da partilha e amizade.

Ao contornar uma esquina deparei com um corpo sentado no chão. Um jovem entrado nos vinte, andrajoso, mexia com um garfo uma mixórdia, dentro duma garrafa pet cortada ao meio, que percebi ser destinada ao seu almoço. Vi as pernas, estendidas pela calçada, saindo das bermudas sujas. Membros de linhas elegantes e músculos definidos, embora frouxos e flácidos pela fome e desleixo. Os pés sujos e disformes, por nunca terem conhecido um calçado que os aconchegasse, que ele se apressou a desviar do meu caminho. Como se fossem atrapalhar o meu desfilar, quando na verdade eu é que atrapalhava a sua refeição.

Ele olho-me, com ternura e simpatia. Olhos bem abertos, limpos, belos como o seu rosto, também belo no esplendor da juventude. Mas eu desviei os meus olhos, envergonhado. Envergonhado dos meu anéis de prata. Envergonhado das minhas sandálias de couro. Envergonhado dos meus auscultadores e ipod, por onde escutava música com que ritmava os meus passos. Envergonhado da minha parca abundância de quem tem onde comer e onde dormir. Envergonhado de não poder acolher e abrigar todos os injustiçados do mundo e da vida. Envergonhado de ter tido a chance de aproveitar mais oportunidades que ele e todos os outros como ele, que não conseguiram fazer melhor.

domingo, 10 de junho de 2012

CRENTE

Super-crente


Estava numa cidade do interior brasileiro, que não vem aqui a propósito, com uma amiga, que não interessa quem, para a ajudar numa tarefa, que não vem ao caso.


Havia  chegado à uns meses da Europa, pelo que ainda beneficiava da aura de inocência, que aos meninos e aos tolos tudo se desculpa. Ainda ia aprendendo a conviver com os usos e costumes locais. Os jeitos ora familiares ora bizarros, de cada povo viver a sua rotina e a vivência da sua tradição. Esta por vezes herdada duma sabedoria de milénios na vivência própria duma realidade cultural, outras vezes herdada, por imposição ou tola aquisição, pela generalizada ignorância grosseira.


O sol reinava no seu apogeu diário. Implacável! Alvejando tudo e todos com um calor medonho. Cada sombra era uma trégua suplicada. Entrarmos no restaurante com ar refrigerado foi um bálsamo, que noutras eras só os deuses poderiam desfrutar. Como sempre, procurei pôr toda a minha atenção em cada gesto e em cada escolha que fazia de entre as várias iguarias gastronómicas expostas ao apetite dos comensais, que livremente se serviam aprovisionando o seu prato, antes de nos dirigirmos às mesas.


Éramos três: eu, a minha amiga e uma colega sua que fazia parte da equipa de trabalho. A conversa decorreu fluida e agradável. Até ao momento em que, de novo e pela enésima vez, ouvi a referencia de “crentes” a um determinado grupo de alinhamento religioso.


- Não entendo essa de “crentes”! Crente é todo aquele que acredita em algo. Não percebo porque razão se hão-de uns auto-denominar como crentes, como se os outros não tivessem também crenças válidas e igualmente dignas de respeito e louvor. – retorqui eu, interrompendo um diálogo, em que eu havia sido remetido para um papel de mero figurante colateral, mais perto do desprezo que da amizade.


Dois pares de olhos me olharam, com espanto. Um deles com uma contida, a custo, indignação e o outro embaraçado, contudo sem conseguir esconder o divertimento da ironia. Um silêncio sepulcral foi a resposta que obtive. Até que as duas retomaram o diálogo, ignorando por completo e ostensivamente a minha observação.


Mais tarde, a sós, a minha amiga me elucidou: “Ela é evangélica! E eles, os evangélicos, acham-se os “crentes” verdadeiros e assim se designam entre si e perante todos.” A minha amiga é católica; faz parte desse grupo esdrúxulo que se define como “católicos não praticantes” (designação essa que para mim é das coisas mais hilariantes deste mundo, com tão poucos motivos para rir). Eu não sou nada dessas coisas, apenas me defino como um homem religioso, por ter as minhas próprias crenças e convicções, fora do espartilho de qualquer instituição, que só a mim dizem respeito.

domingo, 3 de junho de 2012

CARTONEIRO


Carros enfileirados ao longo da rua. Jazendo ao sol implacável do meio-dia. Abrasador, abatia-se sobre tudo e empurrava calor para as sombras, que pediam uma trégua na brisa suave.

Numa esquina do cruzamento ele protegia-se sob uma árvore. Sentado no lancil do passeio tagarelava com um amigo, que ocasionalmente passara e se demorava na companhia prazenteira. Conversa de cafuçu, com muito espalhafato de aparato cénico gestual, gírias codificadas e temáticas abstrusas com sentidos duvidosos e destituídas de construtividade humana.

O cartão pardo, como a pele dele, ia clareando com o sol, mas ele ia ficando mais moreno. Os músculos reluzindo, como desafiando o flagelador diurno. Jactante. Petulante. Mas sem deixar de assumir uma humildade submissa, na simpatia com que recebia as parcas moedas de gorjeta, razão pela qual ali estava.

Corpo moreno, musculoso, tisnado do sol, escapava das vestes rudimentares e humildes. Cabelo em crista e sarapintado de madeixas artificiais, escondido sob o boné paramental. Rosto marcado pela dureza de viver nas ruas e morar numa favela apinhada de criaturas semelhantes a humanos. Os chinelos de borracha livravam os pés do asfalto ardente.

Na sombra ele esperava mais outro cliente e outro e outro. Carro estacionado era sinal de vidro pára-brisas coberto com placa de cartão, recuperado de velhas caixas desmanteladas. Reciclagem? Quem disse que nada se perde? Foi mesmo Lavoisier! Visão de negócio? Tudo serve para ganhar algum dinheiro. Uma ajuda para o orçamento familiar.