quarta-feira, 19 de junho de 2013

LD



“L. D.” é de Lawrence Durrel. Não tem mistério nenhum.

Bons os tempos em que eu espatifava o meu salário todo em leituras e músicas. Enchia as prateleiras de casa com livros e LPs, que depois passaram a ser CDs.

Leitor lento que sou, não conseguia devorar tudo que comprava numa vertigem acumuladora. “É para ler quando me aposentar” respondia quando me interrogavam se lia tudo aquilo.

Na verdade era uma acumulo disparatado. Sempre tive um impulso doentio para guardar papeis. Sem mais espaço nos móveis, por fim empilhava os livros no chão mesmo, subindo pelos cantos.

Cheguei a separar o acumulado por temas e estilos, distribuindo depois por amigos e familiares que sabia apreciarem este ou aquele género. Só assim conseguiria espaço para continuar a estouvada aquisição bibliotecária.

E de que serviu tal febre? De nada! Absolutamente nada! A não ser para me esvair a carteira e viver continuamente sem chavo. Nunca consegui fazer economias por causa desse vício estúpido.

“Salve-se Quem Puder” veio num grupo eclético, como muitos outros títulos. Eram contos - meu modelo favorito, pois esses eu tinha mais garantias de conseguir chegar ao fim. Em geral eu abandono a leitura a meio da obra, sem me preocupar muito com o desenlace da mesma. O que me fascina é a palavra e o uso que o escritor faz dela. As histórias eu mesmo as posso inventar a meu jeito e bel prazer.

Tenho uma memória mais emocional que factual. Lembro com facilidade as emoções relacionadas com os eventos. Já o mesmo não posso dizer dos pormenores dos factos. Assim não me lembro bem dos conteúdos e tema dos contos desse volume. Tão pouco lembro se li todos. Apenas recordo que aquilo que li se desenrolava algures no norte de África. Mas não esqueço as gargalhadas, as deliciosas gargalhadas. Ah, como eu ri com puro gosto! A hilaridade era de tal ordem que eu tinha de parar a leitura para me recompor do riso e aprimorar os olhos (limpando-os das lágrimas), de modo a retornar ao mergulho nas letras e na narrativa.

domingo, 9 de junho de 2013

SOU EU



“Uma imagem vale mil palavras.”

A imagem da vida por estas coordenadas. Até uma simples campainha de porta tem de estar protegida por uma grade, trancada a cadeado. C’est la vie à Brasil!

O que será mais precioso? Será que ainda resta algum reconhecimento de valores? Muitas questões e poucas respostas.

É isso! Este meu texto também se poderia chamar: Respostas. Tal como nas situações mais banais, as grandes questões da vida recebem o mesmo tipo de respostas: inapropriadas e inconclusivas.

- Quem é?
- Sou eu!
É a resposta mais comum quando alguém toca à campainha da porta e lá dentro de casa, alguém tenta certificar-se sobre a identidade da pessoa que pretende adentrar. Mas claro que é um “eu”. Todos somos um “EU”, cada um de nós. Só que o que se pretende saber é o nome – A IDENTIDADE – desse “eu”. Será assim tão difícil de entender?

Não faz muita diferença das respostas demagógicas que os políticos dão para tentar empurrar, com a barriga, as péssimas condições de existência dos cidadãos. Só que a mesma dormência letárgica que o povo apresenta perante esse discurso falacioso, é a mesma que leva alguém a responder “sou eu” quando o que o outro pretende saber é em que se define esse eu.

“Ah! Não tem nada a ver!” me dirão. Porque não é a mesma coisa.

Eu lhes mostro como é a mesma coisa: enfiem dois dedos num certo orifício anatómico ao fundo das costas e depois, de os deixarem lá algum tempo, retirem-nos e cheirem um de cada vez. Cheiram o mesmo né? Ora aí está como é o mesmo!

O mesmo é a indiferença. O mesmo é a apatia. O mesmo é seguir na mesma rotina maquinal e acéfala, sem se dar conta que o dito “eu” vai perdendo sentido e passando a ser uma circunstância amorfa caminhando por uma existência sem propósito. Sim, talvez seja por isso que esse “eu” não tenha necessidade de ter um nome, pois em nada se diferenciará dos milhões de “eus” que se resignam a um estar-sem-ser, num mundo idealizado para apenas alguns “serem”.

Então porque prover e  garantir segurança a não-eus? Deverá ser essa a macabra filosofia com que se justificarão os governos e os criminosos, para a ausência de valores e de ética.

- Quem é?
- Sou eu!
- Aqui também sou eu! Eu quero saber é o nome desse EU aí!!! Será muito difícil dizeres a porra do teu nome??? Ou preferes mesmo ficar aí, secando à porta?

segunda-feira, 3 de junho de 2013

HOMENS PARA A ESQUERDA, MULHERES PARA A DIREITA



Entrámos no grande salão e fomos instruídos a dividirmo-nos em dois grupos: homens e mulheres. Uns se sentariam nos bancos corridos de um lado e as outras do outro lado oposto. Frente a frente.

As expressões de estranheza e incompreensão logo se estamparam nos rostos incrédulos. Como crianças perdidas num bosque sombrio. A confusão se instalou naquelas mentes condicionadas por uma rotina entorpecente.

O povo não está habituado a sair dos seus padrões seculares, assim perdendo a capacidade de pensar, decidir e se adaptar.

Os dogmas entorpecem as mentes e levam-nas a uma estagnação embrutecedora. Servem para imobilizar o povo e dominá-lo, através da eliminação da capacidade individual de discernimento.

Para as mentes arregimentadas pelo carneirismo do rebanho é duma estranheza imensa uma simples proposta que fuja aos cânones useiros e vezeiros da sua rotina atrofiada e castradora do livre arbítrio. Um simples "vamos fazer diferente" é motivo para grandes suspeitas e receios. Nervosamente todo o grupo olha em volta procurando um sinal que as traga de volta ao redil.