Havia hesitado na escolha do
caminho, mas acabei por regressar
pelo percurso habitual. Sempre tinha mais sombra para me proteger. A
refeição fora agradável. No Sabores do Nordeste a comida é boa e o pessoal
simpático. O bacalhau com puré estava óptimo, o bobó de camarão uma delícia e a
costela grelhada um primor. Um pudim de ovos, com direito a uma ameixa de calda
no topo, foi o remate perfeito.
E lá ia eu resguardado, sob a
minha sombrinha, do sol estupidamente avassalador do início da tarde. Ia rente
aos muros altos, que protegiam as casas e bens dos que assim se mantinham
distantes da rua e do convívio urbano. Falsa ilusão de segurança em prejuízo da
partilha e amizade.
Ao contornar uma esquina deparei
com um corpo sentado no chão. Um jovem entrado nos vinte, andrajoso, mexia com
um garfo uma mixórdia, dentro duma garrafa pet cortada ao meio, que percebi ser
destinada ao seu almoço. Vi as pernas, estendidas pela calçada, saindo das
bermudas sujas. Membros de linhas elegantes e músculos definidos, embora frouxos
e flácidos pela fome e desleixo. Os pés sujos e disformes, por nunca terem
conhecido um calçado que os aconchegasse, que ele se apressou a desviar do meu
caminho. Como se fossem atrapalhar o meu desfilar, quando na verdade eu é que
atrapalhava a sua refeição.
Ele olho-me, com ternura e
simpatia. Olhos bem abertos, limpos, belos como o seu rosto, também belo no
esplendor da juventude. Mas eu desviei os meus olhos, envergonhado.
Envergonhado dos meu anéis de prata. Envergonhado das minhas sandálias de
couro. Envergonhado dos meus auscultadores e ipod, por onde escutava música com
que ritmava os meus passos. Envergonhado da minha parca abundância de quem tem
onde comer e onde dormir. Envergonhado de não poder acolher e abrigar todos os
injustiçados do mundo e da vida. Envergonhado de ter tido a chance de
aproveitar mais oportunidades que ele e todos os outros como ele, que não
conseguiram fazer melhor.
6 comentários:
não há pq envergonhar-se ... c'est la vie mon chéri ...
Venho aqui de vez em quando. Seu blog me chama a atenção rsr... Belo texto, retrato da vida em palavras, mas como disse o Paulo... c'est la vie. Infelizmente pouco podemos fazer, apesar de podermos...mesmo pouco.
Gracias pelo texto.
O irónico de tudo isto é a indiferença de uns e a acomodação de outros e, ainda, a falta de decoro de quem podia evitar a situação , mas não evita!!
Abraço apertado, Irmão, cuja vergonha partilho.
Sábado entrevista com ManDrag no meu blog... \o/
nossa! meu coração ficou apertado agora... tantas pessoas nestas condições e a gente ainda reclama da vida!
beijos
Querido, compartilho com vc a mesma sensação. Tal cena me machuca e me marca a ponto de, trazer a imagem comigo pra casa. Há alguns anos, isso era mais sofrido. Hoje, tento passar a culpa aos políticos que deveriam perder o sono por causa disso e não eu. Porém, não resolve muito. A gente não se acostuma com essa situação.
Beijo.
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