Ele sentou-se no selim e deu
arranque no motor. Engatou a primeira e a moto disparou rua afora.
Vestia uma roupa vermelha e
azul, as cores da empresa de distribuição de bilhas de gás doméstico. A sua tez
era negra. Bem negra. Jovem, ainda não completara vinte anos. Semblante
cerrado, mas sereno.
Deixou atrás de si um enlevo de
juventude e sensualidade, como se o dia se justificasse pelos pequenos momentos
de fugaz beleza que nos é dado vislumbrar. Nos interstícios das pregas da
rotina. E com o perder de vista entre muros e paredes, ficou o vazio, o
silêncio da modorra estéril da existência num bairro de periferia.
O dia estava mole. Dormente.
Alongando-se na habitual pasmaceira contagiante. Tudo mergulhava numa quietude
que não era, pois o rumor abafado da cidade se afirmava omnipresente. Pesado.
Contínuo.
...
Da quietude irrompeu o tropel de
cascos galopando na rua de terra batida. A garotada adorava atiçar os cavalos e
vir à desfilada pela rua fora, aproveitando a pacatez do bairro. Passavam em
revoada, entre risos e gritos. Muitos gritos.
O olhar fogoso e desvairado das
pilecas aterrorizadas, denunciava como eram muito mal tratadas. Ficava evidente
no aspecto muito descurado; magros, feridos, pêlo baço e sujo. Dava dó ver,
como depois de tão maltratados, os animais continuavam obedecendo submissamente
aos caprichos da moçada em desatino.
Desde bem pequenos os moleques
se acostumavam a deambular trazendo na mão um raminho verde desfolhado, fino e
flexível, como se duma chibata se tratasse, para castigarem os animais.
Vergastavam o ar, fazendo sibilar o ar com evidente gáudio extasiado, de quem
acha que se faz homem. Para essa gente rude, homem é sinonimo de brutalidade.
Homem é ser macho e macho é ser bruto.
Mas para a molecada tudo era
uma animação desbragada, quase histérica. A algazarra ia e vinha. Rua abaixo,
rua acima.
...
Depois os rapazes foram embora. Foram
com as suas famílias. Mudaram de bairro. E com eles foram os cavalos, a
gritaria e as galopadas. Agora restam os rapazes das motos e bicicletas
entregando bilhas de gás e garrafões de água. E o Júnior...
4 comentários:
Adoro uma boa cavalgada... rs
Fizeste-me lembrar os pobres jericos do Egipto...
Boa semana, meu bem
Esta postagem é a prova viva de que podemos encontrar poesia em tudo, principalmente no cotidiano por vezes tão bruto!
Beijos
Amo te
♪✿
º° ✿✿♪
Eu não sei o que era melhor ou pior.
Não gosto de mal tratos aos animais, mas o barulho, a insensatez ao pilotar motos...
o perigoso trânsito, sempre a matar inocentes!...
Bom fim de semana!
Beijinhos do Brasil
¸.•°♡⊱╮╮
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