domingo, 7 de abril de 2013

DIA DORMENTE (RAPAZES E CAVALOS)



Ele sentou-se no selim e deu arranque no motor. Engatou a primeira e a moto disparou rua afora.
Vestia uma roupa vermelha e azul, as cores da empresa de distribuição de bilhas de gás doméstico. A sua tez era negra. Bem negra. Jovem, ainda não completara vinte anos. Semblante cerrado, mas sereno.

Deixou atrás de si um enlevo de juventude e sensualidade, como se o dia se justificasse pelos pequenos momentos de fugaz beleza que nos é dado vislumbrar. Nos interstícios das pregas da rotina. E com o perder de vista entre muros e paredes, ficou o vazio, o silêncio da modorra estéril da existência num bairro de periferia.

O dia estava mole. Dormente. Alongando-se na habitual pasmaceira contagiante. Tudo mergulhava numa quietude que não era, pois o rumor abafado da cidade se afirmava omnipresente. Pesado. Contínuo.

...

Da quietude irrompeu o tropel de cascos galopando na rua de terra batida. A garotada adorava atiçar os cavalos e vir à desfilada pela rua fora, aproveitando a pacatez do bairro. Passavam em revoada, entre risos e gritos. Muitos gritos.

O olhar fogoso e desvairado das pilecas aterrorizadas, denunciava como eram muito mal tratadas. Ficava evidente no aspecto muito descurado; magros, feridos, pêlo baço e sujo. Dava dó ver, como depois de tão maltratados, os animais continuavam obedecendo submissamente aos caprichos da moçada em desatino.

Desde bem pequenos os moleques se acostumavam a deambular trazendo na mão um raminho verde desfolhado, fino e flexível, como se duma chibata se tratasse, para castigarem os animais. Vergastavam o ar, fazendo sibilar o ar com evidente gáudio extasiado, de quem acha que se faz homem. Para essa gente rude, homem é sinonimo de brutalidade. Homem é ser macho e macho é ser bruto.

Mas para a molecada tudo era uma animação desbragada, quase histérica. A algazarra ia e vinha. Rua abaixo, rua acima.

...

Depois os rapazes foram embora. Foram com as suas famílias. Mudaram de bairro. E com eles foram os cavalos, a gritaria e as galopadas. Agora restam os rapazes das motos e bicicletas entregando bilhas de gás e garrafões de água. E o Júnior...

4 comentários:

Raphael Martins disse...

Adoro uma boa cavalgada... rs

São disse...

Fizeste-me lembrar os pobres jericos do Egipto...

Boa semana, meu bem

Serginho Tavares disse...

Esta postagem é a prova viva de que podemos encontrar poesia em tudo, principalmente no cotidiano por vezes tão bruto!

Beijos
Amo te

Magia da Inês disse...

♪✿
º° ✿✿♪

Eu não sei o que era melhor ou pior.
Não gosto de mal tratos aos animais, mas o barulho, a insensatez ao pilotar motos...
o perigoso trânsito, sempre a matar inocentes!...
Bom fim de semana!
Beijinhos do Brasil

¸.•°♡⊱╮╮