Toda a gente tem opinião sobre o
aborto. Ou pretende ter. Todos dão os seus vaticínios, apoiados em pressupostos
morais/religiosos ou científicos. Todos clamam pelo direito à vida. Todos
reclamam o direito da mulher ou do divino. Mas não oiço ninguém falar sobre o
direito do feto. Ainda não vi ninguém dar a voz ao feto; escutar sobre o que
ele tem a dizer e qual o seu parecer sobre uma decisão que, acima de tudo, o
envolve a ele e da qual depende toda a sua existência e o seu futuro; senão
mesmo a sua dignidade humana.
Eu nasci. Eu era um feto
condenado ao aborto e nasci. Por isso me sinto mais no direito de falar em
causa própria que todos os outros! A minha é a opinião da experiência vivida no
antes e no após. Opinião livre de moralismos e dogmas, pretensamente piedosos
de religiosos fanáticos e outros ignorantes afins.
A vida do feto nada tem de
religioso ou transcendente, pelo que a religião deve se calar de dar pitaco
sobre o que não lhe cabe. O feto tem consciência! O feto sente! O feto tem
existência emocional! O feto tem alma!
O feto comunga das emoções da
mãe. Têm mais a uni-los que apenas o cordão umbilical. E isto deveria ser do
conhecimento daqueles que, embora se digam religiosos, pouco parecem saber de
espiritualidade. Os medos e preocupações da mãe são partilhados pelo feto. E do
mesmo modo as decisões que a este dizem respeito.
Foi através da memoria dessa
partilha que eu vim a saber que a minha mãe estava disposta e determinada a
abortar, quando percebeu que estava grávida (de mim, no caso). E também assim
senti, ao longo do tempo que permaneci no seu ventre, a rejeição e as dúvidas
que ela tinha por mim. Não, eu não era a sua primeira gravidez; tenho duas
irmãs mais velhas.
Nasci porque o meu pai, movido
do seu catolicismo, cristianismo, puritano, moralista, se opôs ao aborto, pelo
que a minha gestação foi uma luta constante de sentimentos e emoções
antagónicos, em que eu sentia o quanto era indesejado e disputado. E de todo
esse conflito, ficou a matriz de conflito interno que me marcou para toda a
vida. Sempre vivi com o estigma, em forma de sentimento de rejeição, que nenhum
psicólogo pode apagar. Sempre me senti rejeitado! Não há amor ou dedicação que
consiga apagar essa chaga em mim. Sempre me senti desesperadamente só e
disputado, sem que alguém me escutasse.
Não, a culpa não foi da minha
mãe. Ela estava no seu pleno direito de não querer ter mais um filho; mais uma
dúvida. A culpa não foi de ninguém, senão mesmo dum moralismo cruel e desumano!
Se me perguntarem se eu preferia ter nascido ou a minha mãe ter-me abortado, eu
sempre responderei: ela deveria ter abortado!
Tive uma vida plena de
experiências e aventuras; algumas nem tão felizes. Mas preferia ter nascido de
outras condições e não por mera teimosia e combinação de acordo de interesses. Se
não tivesse nascido desta, teria tido outra oportunidade de vir ao mundo, sob
outras condições e com outros propósitos. O meu quinhão de vida não se perderia
naquela chance. Como entidade espiritual, eu teria liberdade de escolher outro
momento para voltar à vida entre os demais neste mundo. Nascer por direito próprio
e não por egoísmo alheio.
Por isso meu lema será sempre:
Deixem a mãe e o feto decidirem sobre eles mesmos!
1 comentário:
Querido amigo, quanto tempo!
Senti saudades de teus textos e resolvi passar por aqui. Esse teu texto fez brotar em mim um sentimento ambíguo...de tristeza, mas ao mesmo tempo de alegria, pois realmente essa decisão deve estar nas mãos da mãe e do feto..só não sei como seria factível consultar o feto...Mas enfim, como vc mesmo disse, mãe e feto tem uma comunicação plena, muito além do cordão umbilical...quando era mais jovem estive grávida, tive um aborto espontâneo, infelizmente. Ao mesmo tempo que isso me gerou uma depressão de 2 anos, também me gerou um certo alívio, pois eu nunca fui daquelas mulheres que quer ser mãe a todo o custo, para mim a maternidade sempre esteve no estilo " se Deus quiser", então acho que Ele não quis isso para mim, pois depois da Alícia ( o nome que minha filha receberia), não aconteceu mais. Tudo isso para dizer que teu texto mexeu muito comigo, me trouxe lembranças! Obrigada! Abraços fraternos Aline
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