Pode parecer caricato até, mas
de facto leva a crer que estamos perante um caso de furto especializado. Ele
vem de madrugada, salta os muros, driblando os cacos e farpas aguçadas que
tentam ser uma barreira ameaçadora, e uma a uma vai recolhendo dos casquilhos
todas as lâmpadas das garagens dos prédios da rua. No bairro já se tornou
famoso pela sua especialização, pois ao que consta não surripia mais nenhum
tipo de objectos, tão pouco tenta forçar os carros estacionados nas garagens. O
seu modus operandi já está tão rotinado que nem chega a verificar se alguns
portões estão mesmo trancados, ou se abririam tranquilamente sem forçar, pelo
que ele continua a saltar muros, fintando cães de guarda em alguns dos prédios,
com a mesma agilidade de quem guarda muito treino nos gestos e nos membros.
O que ele faz com as lâmpadas
surripiadas diligentemente, não sei. Certamente as venderá, pois lâmpadas
fluorescentes de baixo consumo são caras – pelo que os vizinhos do prédio ao
lado, já trataram de substituir todas pelas velhas lâmpadas incandescentes. O
que ele fará com o dinheiro da venda, não sei: pode ser para comprar droga, ou
para comprar remédios para a avó que está esclerosada (nem sei se a tem). Mas,
depois de constatar a sua acção ardilosa e alguns dos seus contornos
pitorescos, acabei por dedicar alguma simpatia ao ladrãozinho de bairro.
Afinal, embora eu tivesse receado em interpelá-lo, quando testemunhei a sua
faina em directo, pelos relatos posteriores acabei por criar um perfil mais humano
e justo, ao invés da rejeição rancorosa do primeiro impulso: ele fez-me lembrar
os românticos ladrões de Genet, no seu jeito contido e não desmedido. Num mundo
onde a roubalheira domina os mais altos cargos de influência e onde o crime violento
aniquila e condena a vida de tanta gente impotente e vulnerável, um pequeno
ladrão de lâmpadas torna-se quase uma figura aceitável.
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