quinta-feira, 18 de agosto de 2011

CARRINHOS COMO CARINHOS

A minha mãe não era uma mulher muito expressiva em termos de afectividade. Também não era reservada. Mas não assumia aquela postura melada de beijos e carícias, tão típicas do ideal formado da mãe convencional. Era uma mulher e mãe, recta e branda, com uma atitude muito informal e alguma irreverência. Era uma pessoa junto da qual nos sentíamos à vontade e sem necessidade de recorrer a ritos hipócritas de falsos convencionalismos sociais.
Embora fosse uma mãe muito parca em afagos e carinhos físicos, não deixava de ser atenta a todos os momentos do crescimento e educação dos filhos e em momento nenhum era fria e distante. Sem pieguices, ela cuidava de tudo com presteza e zelo.
Com firmeza, mas sem rigidez, ela geria a prestação dos filhos na escola, esperando de nós bons resultados, sem no entanto exigir de nós uma excelência de génios. Sabia festejar uma boa nota e admoestar perante um resultado mais fraco.
Como desde cedo me revelei um aluno satisfatório e por vezes com resultados acima da média, ela negociou comigo um inteligente sistema de estímulo, recompensando as minhas boas prestações, satisfazendo uma das minhas paixões infantis: os carrinhos da Matchbox. Assim estabeleceu uma tabela de retribuição, sob a qual ela premiaria, ou penalizaria, os meus desempenhos escolares.
A classificação das provas escolares era feita pelos professores segundo uma tabela de: Mau, Medíocre, Suficiente, Bom e Muito Bom. Por um Suficiente eu receberia um carrinho; por um Bom dois carrinhos, por um Muito Bom seriam três, mas se a nota fosse negativa de Medíocre eu ficaria em débito de um carrinho que seria descontado no próximo resultado de positiva (ficaria assim na incumbência de tirar um Suficiente para pagar o mau resultado do Medíocre, ou então teria de tirar um Bom para pagar o carrinho do mau resultado e poder ganhar um carrinho). Um Mau era um resultado impensável.
E sempre este esquema funcionou, enquanto vivi em casa dos meus pais até aos meus 10 anos, o que me levou a juntar uma excelente colecção de carrinhos Matchbox, que conservei religiosamente até à minha maioridade.

Confesso que nunca fui entusiasta da escola, mas a perspectiva de conseguir uma óptima colecção de carrinhos, era suficiente para estimular o meu zelo e dar o meu melhor, sem grande esforço. Os carrinhos Matchbox eram os carinhos que guardava da minha mãe. Afinal numa família de signos de Terra (quatro virginianos e um capricorniano) os afectos eram algo que quase se poderiam modelar em pedra e barro; nada de pieguices lamechas carregadas de beijoroquices, afagos sufocantes e demais lambuzices.

5 comentários:

Serginho Tavares disse...

Carinhos não precisam ser necessariamente feitos com beijos e abraços apesar que eu adoro quando é assim
rs

Beijos

São disse...

Concordo com nosso querido Serginho.

Dulce se engasgou a meio...

Fica bem, lindo

Paulo Roberto Figueiredo Braccini - Bratz disse...

detesto carinhos melados, detesto pieguices, mas ador matchbox ... rs

Lobo disse...

Lá em casa era assim: Conseguir notas boas é a sua obrigação, tire notas baixas e sofra! ahauahauhau

Mas eu nunca gostei de carrinhos nem de bonecos. Sei lá, não via graça neles...

Beijo Mandrag!

Beth/Lilás disse...

Sua mãe era uma sábia e se eu tivesse lido isso quando meu filho era pequeno, tinha feito o mesmo.
Mas, sempre dei muitos carrinhos para ele, pois eram os brinquedos que ele mais amava.
beijos cariocas