Há gente que mora na rua
Tinha muito tempo ainda. Havia
chegado bem cedo e dispunha de longos minutos de espera, pelo que resolvi virar
para uma rua que ainda não havia percorrido.
Altas e frondosas árvores
ladeavam o asfalto por onde passavam viaturas em busca do tráfego infernal da
avenida central. Eu caminhava calmamente desfrutando da sombra e do afastamento
do buliço neurótico da turba consumista.
A ruela desembocava num praça
estreita e longa, ajardinada e com um lago onde suponho já terem existido patos
ou outras espécies de aves aquáticas. Era um local acolhedor e tranquilo,
dentro da cidade febril e neurótica. Do lado em que eu caminhava estendia-se um
edifício de estilo neo-clássico, com um só piso, mas não deixando contudo de
ser imponente. Caminhei ao longo dele apreciando cada detalhe. Sentia a paz do
lugar me invadir e sossegar o corpo e o espírito, inquietos pelo trepidar
urbano.
Chegado ao fundo da praça,
resolvi retornar pelo mesmo caminho, pois a hora do meu compromisso aproximava-se.
Ao passar de novo pelo lago, deparei-me com uma cena que me fez parar, para
observar discretamente. Um jovem sem-abrigo, semi-nu, apenas vestindo uma
bermuda e descalço, ensaboava-se na beira do lago. Bastante espuma na cabeça,
cujo cabelo ele esfregava com vigor. Depois pegou um baldão que tinha ao seu
lado, encheu-o no lago e despejou a água amarelada sobre si.
Retirado todo o sabão e espuma
do corpo, o jovem tornou a encher o baldão e voltando-se, caminhou até uma
camisa que estava estendida sobre uma laje perto. Despejou parte da água sobre
ela, ajoelhou-se e com o sabão com que se tinha banhado, começou a esfregar a
camisa.
As suas costas molhadas reluziam
ao sol da tarde.
6 comentários:
Adorei o texto, querido. Bom fds.
Nessa cena, rápida , resume-se a essência da dignidade humana desse ser tão desprotegido!
Bjs
É triste, mas eu só consigo pensar no estrago que esse sabão vai fazer na água do lago...
Pois , e entretanto há quem pague 180 milhões de dólares dos EUA por um quadro...
Beijinhos com saudade, meu querido.
Um excelente texto como só você sabe fazer!
Beijos
Amo te
Pôxa pensei que só eu tinha pensado no estrago do sabão na água! :):) Com ou sem estrago do sabão, adorei o texto amigo ManDrag! Saudades dos teus comentários no meu blog! Abraço fraterno.
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