sexta-feira, 4 de maio de 2012

BANHO NA PRAÇA

Há gente que mora na rua


Tinha muito tempo ainda. Havia chegado bem cedo e dispunha de longos minutos de espera, pelo que resolvi virar para uma rua que ainda não havia percorrido.
Altas e frondosas árvores ladeavam o asfalto por onde passavam viaturas em busca do tráfego infernal da avenida central. Eu caminhava calmamente desfrutando da sombra e do afastamento do buliço neurótico da turba consumista.

A ruela desembocava num praça estreita e longa, ajardinada e com um lago onde suponho já terem existido patos ou outras espécies de aves aquáticas. Era um local acolhedor e tranquilo, dentro da cidade febril e neurótica. Do lado em que eu caminhava estendia-se um edifício de estilo neo-clássico, com um só piso, mas não deixando contudo de ser imponente. Caminhei ao longo dele apreciando cada detalhe. Sentia a paz do lugar me invadir e sossegar o corpo e o espírito, inquietos pelo trepidar urbano.

Chegado ao fundo da praça, resolvi retornar pelo mesmo caminho, pois a hora do meu compromisso aproximava-se. Ao passar de novo pelo lago, deparei-me com uma cena que me fez parar, para observar discretamente. Um jovem sem-abrigo, semi-nu, apenas vestindo uma bermuda e descalço, ensaboava-se na beira do lago. Bastante espuma na cabeça, cujo cabelo ele esfregava com vigor. Depois pegou um baldão que tinha ao seu lado, encheu-o no lago e despejou a água amarelada sobre si.
Retirado todo o sabão e espuma do corpo, o jovem tornou a encher o baldão e voltando-se, caminhou até uma camisa que estava estendida sobre uma laje perto. Despejou parte da água sobre ela, ajoelhou-se e com o sabão com que se tinha banhado, começou a esfregar a camisa.

As suas costas molhadas reluziam ao sol da tarde.

6 comentários:

Raphael Martins disse...

Adorei o texto, querido. Bom fds.

Anónimo disse...

Nessa cena, rápida , resume-se a essência da dignidade humana desse ser tão desprotegido!
Bjs

Lobo disse...

É triste, mas eu só consigo pensar no estrago que esse sabão vai fazer na água do lago...

São disse...

Pois , e entretanto há quem pague 180 milhões de dólares dos EUA por um quadro...

Beijinhos com saudade, meu querido.

Serginho Tavares disse...

Um excelente texto como só você sabe fazer!
Beijos
Amo te

Hürrem disse...

Pôxa pensei que só eu tinha pensado no estrago do sabão na água! :):) Com ou sem estrago do sabão, adorei o texto amigo ManDrag! Saudades dos teus comentários no meu blog! Abraço fraterno.