sexta-feira, 30 de julho de 2010

DIAGNÓSTICO

Caminhava pela sombra, junto às paredes. Esperava aos cantos, ou por trás dos outros, onde fosse mais difícil de me acharem, afastado dos grupos e alunos mais irrequietos e barulhentos. Evitava as brincadeiras mais rudes e tinha um medo quase irracional das bolas com que os outros se deliciavam em efusivos jogos.

Na escola era elogiado pelo bom comportamento, embora os professores lamentassem a falta de participação, pois tentava sempre ficar escondido atrás dos outros alunos, de modo a evitar ser chamado ao quadro, para resolver algum problema, ou responder a alguma pergunta sobre a matéria dada, que de resto sabia sempre a resposta.

Em casa ficava no quarto, sozinho, deliciado na leitura dum livro, de preferência com temática científica ou histórica e entretido com os muitos carrinhos que tinha ganho como prémios por boas notas escolares, planeando cidades plenas de vida e actividade, onde viveria feliz. Em folhas de papel A4 desenhava botões de teclado e mostradores de ponteiros e colava nas paredes do quarto, encenando os painéis de comando da nave com que sonhava poder partir para outros mundos, onde pudesse encontrar outros que sentissem e agissem do mesmo modo.

Adorava ir à praia. O contacto com a água viva e plena de força, que tanto acariciava como enrolava e arrastava na rebentação das ondas e a imensa superfície do mar se espalhando infinito pelo horizonte, eram portas para o sonho e a fuga, sempre anunciando outros mundos, outras realidades.

Diziam que era muito sossegado e muito bem comportado. Talvez um pouco sossegado demais. Achavam que era um menino encantador, exemplo de boa educação e nunca dando ralações nem trabalhos a ninguém.

Na verdade era o início duma profunda depressão que por ignorância nunca foi percebida e acabou por evoluir numa distimia crónica, muito tardiamente diagnosticada.

Quando uma criança é demasiado sossegada ou demasiado irrequieta algo não está muito bem, pelo que é necessário procurar opinião e auxílio de quem seja especializado. Somos seres essencialmente mentais e emocionais, pelo que é fundamental uma observação atenta a nível psicológico. É necessário derrotar definitivamente o preconceito de que quem vai ao psiquiatra e ao psicólogo são os doidos.

5 comentários:

Lobo disse...

Eu frequentava psicólogo quando era mais novo, e realmente esse preconceito é matador. Algumas pessoas precisam de ajuda, só que a sociedade falha em perceber isso e invés de ajudar, trata logo de excluir.

Abraços!

Serginho Tavares disse...

É muito triste isso. Antigamente as pessoas tinham a ideia de que psicólogo é "médico de doido" e por isso muita gente hoje em dia sofre (e sofre também quem está ao redor) quando o problema poderia ter sido resolvido facilmente.
Se todos soubessem que isso faz um bem imenso teríamos um mundo muito melhor.
Hoje em dia a psicologia também deveria ser mais atuante, mais perto da população e não tão elitista.

Beijão meu amor

Anónimo disse...

Mandrag, não sabia o que era distimia.

Acho que na nossa tenra idade é difícil identificar como seremos no futuro...Mas quando se mostra algumas atitudes em constância, seria mt bom investigar desde qd somos novos.

Eu espero que a cada dia vc procure um modo de combater esse problema. A nossa mente tem uma força impressionante.

Quero terminar dizendo que vc é uma pessoa de sensibilidade e idéias notáveis. Talvez sua tristeza/depressão possa ser parte dessa personalidade única e original. Afinal todos nós nos sentimos assim de vez em quando. Não precisa ser uma coisa ruim. Só precisamos ter cuidado com os extremos.

Me perdoe se falo demais sem te conhecer. Acredite que te desejo muito bem.

Beijos,

Mari

Anónimo disse...

Querido Mandrag, li o link anterior que passou para mim. É uma dura realidade a se conviver. E

Tenho um irmão com uma doença mt séria, a esquizofrenia. Não é a mesma doença mas com alguns sintomas parecidos,principalmente o de reclusão. Ele não sai de casa há anos. É triste. Conheço de perto o que é viver com altos e baixos. Não é fácil mesmo ...

Ficam meus sinceros votos para que vc melhore a cada dia. Eu acredito que nada é impossível.

Beijos

Anónimo disse...

Pois eu era(talvez continue sendo) uma mistura de hiperativa e tímida. Imagine no que dá isso! Também sem diagnóstico e o tratamento mais frequente eram tapas,chineladas e varas a arrancar promessas de não repetir as peraltices.
Minha espontaneidade afogou-se. Há coisas perdoáveis, outras não. Mesmo depois de ser mãe e me defrontar com dificuldades na criação e educação de um filho,com dúvidas imensas, há atitudes que não se perdoa a uma mãe.
Todavia somos o que de nós fizeram e fizemos, então é transformar nossas cicatrizes e com elas construir, assim como fazes tão sabiamente.
Que te venha sempre uma alegria diária, no mínimo.
Abração e boa semana.