sábado, 24 de julho de 2010

MUSEU

Quando era jovem e andava no ensino secundário, a minha turma descobriu que havia uma verba anual no orçamento da escola estipulada exclusivamente para saídas em visitas de estudo. Rapidamente nos organizámos para projectarmos várias propostas de visitas de estudo a fábricas por todo o país que propusemos à aprovação dos respectivos organismos decisórios da escola. Cada um dos passeios tentava ser o mais longe possível e suficientemente afastado para só permitir o regresso no dia seguinte, permitindo-nos assim ficar uma noite fora de casa pernoitando em hotel pago pela escola. Era a euforia da juventude.

Como o nosso curso era de Química, todas as visitas visavam fábricas químicas, tendo nós o cuidado de escolher diferentes fábricas com diferentes metodologias e produtos finais, para que nenhum dos passeios nos fosse negado. E, por norma, eram todos aprovados, pois o fundo era abastado e os nossos projectos muito bem fundamentados, com grande interesse didáctico, para isso contávamos com a cumplicidade dos nossos professores de química e matérias da área. Quase todos os meses saíamos uma ou duas vezes em passeio. Até que o estatuto de turma mais viajada da escola chamou a atenção dos alunos dos outros cursos e turmas, que logo descobriram o golpe e o passaram a copiar. O dinheiro passou a ficar curto.

Mas, de todos os passeios que demos e de todas as visitas que fizemos, nenhuma incluiu a visita a um museu. Na ânsia de passear nem nos lembrávamos do fundo pedagógico das saídas, mas o certo é que professores e demais agentes de orientação pedagógica da escola também não rectificaram a situação; afinal num sistema de ensino especializado os nossos projectos de visitas eram quase perfeitos. Mas... e a formação geral do aluno? O seu enriquecimento cultural?

Felizmente que eu cresci no seio de uma família que respeitava o meu interesse por cultura. Presto aqui preito à minha Tia Doroteia, mulher que viveu e morreu analfabeta, mas que não sendo burra respeitava e incentivava esse meu gosto pelo conhecimento e me levava missionariamente aos fins-de-semana em passeio a museus e demais lugares com interesse cultural. A Tia Doroteia, na sua iliteracia, sabia bem da importância da cultura na formação do ser humano. Pena que os senhores e senhoras que decidem dos programas e sistemas de ensino não tenham essa mesma percepção e sentido do fundamental.

Escolaridade deixou de ser um modo de enriquecimento cultural para passar a ser uma corrida em busca dum certificado. A cultura geral das novas gerações resume-se a filmes estupidificantes e séries televisivas alienadoras, com muita futilidade pelo meio e uma completa ausência de valores sociais de cidadania e respeito ao próximo.

Foto: Museu d'Orsay, Paris. Uma antiga gare ferroviária convertida em museu de arte.

7 comentários:

Serginho Tavares disse...

Hoje em dia não se educa mais. Querem apenas ter o diploma.

Uma pena.

Mais um vibrante texto amor. Adorei.
Beijos

Guará Matos disse...

Maravilha mesmo! O museu é uma escola de grande ensinamentos culturais.
Infelizmente...

Abraços e grato.

São disse...

Brilhante, meu querido.Aliás, com sempre.
Lamentável que se confunda Ensino com Educação e ninguém mais se importe em transmitir o gosto pela cultura.

Um abraço apertado de mim , familia e amigos,

Anónimo disse...

Ah, Mandrag...Lembro do dia em que a minha mãe contou como era a escola pública no Brasil no tempo dela, e eu ria, pensava que ela tava fazendo piada. Eu era mt menina, e vendo que a escola pública era mt ruim, não conseguia entender/acreditar que um dia foi mt boa.

Pena que os tempos e prioridades mudaram...

MAR E SOL disse...

Por mais que me custe reconhecê-lo(pois tenho amigos professores)ensinar deixou de ser uma missão que não só socializa o aluno como o prepara com ferramentas que o libertam da ignorância. Já não há tempo para tal. Os programas têm que ser despejados estupidamente e as reuniões sucessivas preenchem o universo dos professores que se tornaram burocratas em vez de verdadeiros pedagogos.É verdade que a cultura (História, filosofia ou arte entre outras )não é prioridade. O objectivo é sempre atingir números.Um aluno faz parte de um imaginário mundo de estatísticas que têm que obedecer a estratégias comunitárias de embrutecimento dos povos.Obrigada amigo pelas ideias que tão bem expõe.

São disse...

Lindo, te enviei e.mial. Diz só se recebeste, sim? É que ja+ sabes como sou desajeitada com estas coisas, rrss

Um abraço parA vós,

Anónimo disse...

Bem se vê que nas escolas não se encontra sabedoria. Eu creci onde não havia o que visitar além da natureza e livros que minha mãe comprava em prestações sem fim. Foi como descobri o mundo.
Abraço.